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Reforma do Quadro de Terras em Moçambique: o que precisa de saber
Contexto geral
O Governo de Moçambique está, actualmente, a iniciar um processo de revisão da Lei de Terras. Esta Lei entrou em vigor em 1997, após as primeiras eleições democráticas e é conhecida como a melhor Lei de Terras de Africa. O Governo de Moçambique pretende regular terra partindo da disposição constitucional sobre a propriedade do Estado da terra, e o direito de uso e aproveitamentos de terra pelos cidadãos nacionais e estrangeiros.
Em 2018, Moçambique iniciou um processo de revisão do quadro de terras através da criação da Comissão de Revisão da Política Nacional de Terras. Em 2021, a Comissão de Revisão da Política Nacional de Terras publicou um Diagnóstico da Implementação do Quadro Legal e Institucional da Terras e apresentou recomendações para a reforma da Política Nacional de Terras e da Lei de Terras. O Diagnostico da Implementação aponta que os desafios do desenvolvimento económico em Moçambique exigem uma reavaliação da governação da terra e sugeriu que sejam feitos ajustamentos às leis sobre a terra. Posteriormente, procedeu-se a uma revisão da Política Nacional de Terras.
Assim, a 28 de Novembro de 2022, uma nova Política de Terras foi publicada. A Política recomenda uma revisão da Lei de Terras no prazo de seis meses, após a aprovação da Política de Terras.
Quais são as questões a serem abordadas pela Lei de Terras?
Algumas das questões levantadas pela Comissão de Revisão na Política Nacional de Terras no de Diagnostico da Implementação do Quadro Legal e Institucional de Terras são:
- Clarificação da propriedade do Estado sobre a Terra e recursos naturais;
- Posse de terra segundo normas e práticas costumeiras e de boa-fé;
- Garantias relativas aos direitos de uso e aproveitamento de terra (DUAT);
- Transmissibilidade dos direitos de uso e aproveitamento de terra (DUAT);
- Harmonização da Lei de Terras e outras leis relativas aos recursos naturais: a lei florestal, a lei da biodiversidade, o quadro jurídico dos recursos minerais e a legislação sobre petróleo e gás;
- Clarificação e actualização do quadro institucional de terras no quadro da governação descentralizada a nível provincial; e ainda
- Uma definição de “compensação justa” para os titulares de direitos costumeiros e posse de boa-fé sobre a terra, no âmbito de processos de reassentamentos resultantes megaprojetos econômicos.
Isto significa que todos os moçambicanos serão afetados pelas revisão à Lei de Terras, especialmente aqueles que vivem em áreas onde decorrem novos projectos desenvolvimentos, como petróleo e gás ou projetos minérios ou ainda de mega-barragens hidroelétricas.
Por que a Natural Justice está preocupada com as possíveis mudanças na Lei de Terras?
Em primeiro lugar, as alterações à Lei de Terras podem dar lugar a uma protecção de direitos sobre terras mais ténues. Camuflados como interesse público ou nacional, os megaprojetos (mineração, desenvolvimento de petróleo e gás, áreas agrícolas e de plantação) podem extinguir direitos sobre a terra e expulsar comunidades de suas terras ancestrais.
Em segundo lugar, o quadro de participação pública na tomada de decisões sobre a terra é insuficiente e desconhecido.
Em terceiro lugar, embora os direitos costumeiros e as instituições tradicionais sejam reconhecidos pela Constituição, a participação das comunidades na tomada de decisões pode ser “cosmética” ou um exercício selectivo, carecendo de uma efectiva e significativa consulta pública. Ademais, Moçambique não reconhece o direito ao Consentimento Livre, Prévio e Informado, que pode ser uma base a partir da qual as comunidades podem recusar projectos de desenvolvimento que possam afetar negativamente a sua terra e os direitos humanos.
Por último, e muito importante, actualmente os processos de reassentamento e reinstalação de comunidades como resultado de projetos de indústrias extrativas está a tornar-se uma norma em Moçambique. Estes não sãos vistos como deslocamentos “forçado”.
O que pode muitas vezes resultar em comunidades em pior situação que antes. Os delocamentos perturbam meios de subsistência e pode levar a deslocação de pessoas para áreas menos ricas em biodiversidade. Da terra não se obtém apenas sobre os benefícios físicos, tem muitas vezes significado histórico e espiritual. A formas em que as comunidades construem seu modo de vida habitual está ligado à terra, e isto ao longo de muitas gerações. Estes aspetos não podem ser facilmente recriados e perdem-se frequentemente quando as comunidades são reassentadas.
Quais são os próximos passos do Governo Moçambicano?
Neste momento, o Governo de Moçambique está a preparar um processo de revisão da Lei de Terras, definindo os termos de referência para o processo e a elaborar a metodologia para as consultas públicas. Também reunirá a estrutura e o conteúdo sugeridos para a futura Lei de Terras. Após a aprovação destes documentos, será publicado um Anteprojecto 0 da Lei de Terras, que será submetido a um processo de consulta pública.
O que devemos ter em conta para Participação Pública?
É obrigação do Governo de Moçambique assegurar um processo adequado de participação pública como estabelece o artigo 8º da Lei do Ambiente de 1997. Os processos de participação do pública devem incluir a participação das comunidades locais e das organizações da sociedade civil. No entanto, a Lei do Ambiente não especifica as exigências de uma participação adequada do público e das comunidades locais. Isso é muito preocupante considerando os precedentes estabelecidos por processos anteriores de reforma de leis e políticas sobre recursos naturais.
Por exemplo, o recente processo de Revisão da Política de Terras e de Revisão da Lei Florestal, que a Natural Justice esteve a acompanhar, demonstrou inúmeras formas de um processo inadequado. As comunidades não tinham conhecimento das consultas públicas, o acesso a informação ou documentos objecto de consulta, atempada era um desafio e não havia garantias de que as opiniões públicas fossem consideradas.
O que poderia ser considerado um melhor processo de participação pública?
Partilha adequada e atempada de informações: Tal deve ser feito antes do processo de consulta, apresentado numa linguagem facilmente compreensível e traduzido em línguas locais para que as comunidades locais possam compreender. As audições públicas dependem muitas vezes de voluntários para traduzir – portanto, deve, o Governo prover tradutores.
Além disso, os documentos devem ser fornecidos muito antes da consulta, para que as comunidades tenham tempo para considerar as informações e apresentar respostas.
Participação de grande alcance: A metodologia da participação pública deve permitir a consulta de um vasto leque de pessoas, incluindo jovens e mulheres. A participação deve permitir comentários exaustivos.
Fundamento das decisões na lei: É um requisito do Estado de direito que todas as decisões da administração pública tenham fundamento na lei, bem como os compromissos internacionais e regionais. Todas as decisões devem ser motivadas. Além disso, as decisões devem ter em conta as contribuições do público e indicados os motivos quando tal não for o caso.
Como podem as comunidades participar no processo de consulta pública?
As comunidades, enquanto guardiãs da terra, têm o direito de participar no processo e apelamos a todos os cidadãos moçambicanos a participem nas reuniões de consulta pública. Os Anteprojectos da futura Lei de Terras serão disponibilizados nos edifícios institucionais do governo local, onde os membros da comunidade poderão ter acesso e apresentar as suas contribuições.
A Natural Justice estará a monitorar o processo e trabalhando em estreita colaboração com parceiros locais e enviar comentários. Também preparamos um workshop para as comunidades e OSC locais sobre a participação do público no processo de elaboração de políticas e legislação.
Towards the reformation of Mozambique’s land laws: what you need to know
Background
Currently in Mozambique, the government is embarking on a process of reviewing the Land Law. This law came into effect in 1997 after the first democratic elections. The government chose to regulate the land through the Constitutional provision of state ownership of land, with land use and benefit going to national citizens. Land rights are, therefore, conferred on citizens only so much as they have use rights.
In 2018, Mozambique embarked on a process of reviewing the land framework through the establishment of the Land Policy Revision Commission. In 2021, the Land Policy Revision Commission published a Land Legal and Institutional Framework Diagnosis and put forward recommendations for land policy reform. Importantly, it felt that the economic development challenges in Mozambique require a re-evaluation of the governance of land and suggested that adjustments be made to the laws on land. A revision of the Land Policy subsequently took place.
Due to this, on the 28 November 2022, a new Land Policy was published. The Policy recommends a review of the Land Law within six months, following the Land Policy approval.
What are the current issues that need to be addressed by the updated Land Law?
Some of the issues that the Revision Commission raised are:
- Clarification of state ownership of land and natural resources;
- Customary and good-faith tenure of land;
- Guarantees regarding land use rights;
- Transmissibility the land use rights;
- Harmonization of the Land Law and other laws relating to natural resources: the forest law, biodiversity law, mineral resources legal framework, and oil and gas legislation;
- Clarification and updates on the land institution framework to create decentralized governance at the provincial level; and
- A definition of “just compensation” for customary and good-faith rights holders who are relocated for mega-economic projects.
This means that all Mozambiquans will be affected by the changes to the land laws, especially those that live in areas where new developments, such as oil and gas developments and hydroelectrical projects, are taking place.
Why is Natural Justice concerned about the potential changes to the Land Law?
Firstly, changes to the Land Law may usher in a phase of even more tenuous land rights. Camouflaged as public or national interest, mega projects (mining, oil and gas development, agricultural and plantation areas) can extinguish land rights and evict communities from their ancestral lands.
Secondly, the framework for consultation and decision-making over land is insufficient and unknown.
Thirdly, although customary rights and traditional institutions are recognised by the Constitution, the participation of communities in decision-making can be “cosmetic” or a tick box exercise, lacking true consultation.
Furthermore, Mozambique does not recognize the right to Free, Prior and Informed Consent, which can be a basis from which communities may refuse developments that could affect their land and human rights adversely.
Lastly, and very importantly, currently the relocation and resettlement of communities is becoming a norm in Mozambique as a result of the extractive industries and mega-projects. It is not seen as “forced” in these instances.
This can often result in communities being worse off than before. Relocation disrupts livelihoods and can result in people being moved to areas less rich in biodiversity. Land is also not just about the physical benefits, but often holds historical and spiritual significance, and communities have built their customary way of life, which is tied to the land, over many generations. These aspects cannot easily be recreated, and are often lost, when communities are relocated.
What is the Mozambican government’s next steps?
Currently, the government of Mozambique is preparing a process to conduct the Land Law review. It is defining the terms of reference for the process and drafting the methodology for the public consultation process. It will also put together the suggested structure and content for the future Land Law. Upon the approval of these documents, a draft 0 of the Land Law will be published and subjected to a public consultation process.
What should we be aware of in terms of Public Participation?
It is the obligation of the government of Mozambique to ensure an adequate public participation process. This is as per Article 8 of the Environment Act 1997. Public participation processes must include the involvement of local communities and civil society organisations. However, the Environment Act does not detail the requirement of adequate participation of the public and local communities. This is very concerning considering the precedents set by previous law reform processes.
For example, the recent process of the Land Policy Revision and the Forest Law revision, which Natural Justice was monitoring, demonstrated numerous ways that the process was inadequate. Communities were not aware of the processes of public consultation around both, access to timely information was often a challenge and there were no guarantees that the public views were considered.
What could be considered a better public consultation process?
Adequate and timely information sharing: This must be done before the consultation process and presented in less technical and easily understandable language – and translated into local dialects so that the local populations can understand. Public hearings often depend on volunteers to translate – but rather, translators should be provided by the government.
Furthermore, documents should be provided well ahead of the consultation, so that communities have time to consider the information and come up with responses.
Far-reaching participation: The methodology of public participation should allow for a wide range of people to be consulted, including youth and women. Participation should allow for extensive commentary.
Decision-making taking into account opinion and laws: It is a requirement of the rule of law that all state decisions must be reasonable, taking into account the socio-economic situation in the country, as well as international and regional commitments. All decisions must be justifiable. Furthermore, decisions must consider the public’s contributions and reasons provided when these are not.
How can communities be part of the consultation process?
Communities as custodians of land, have a right to participate on the process and we call on all Mozambique citizens to take part in the public consultation meetings. Drafts of the future Land Law will be made available at the local government institutional buildings where community members can have access and submit their contributions.
Natural Justice is monitoring the process and working closely with local partners to submit comments. We also prepared a workshop for communities and local CSOs on public participation relating to the policy- and legislation-making process.